sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Almoço de 15 de Agosto/Pranzo di Ferragosto

É o dia mais preguiçoso do ano.

Neste mês de férias por excelência em que a maior parte dos portugueses as gozam, juntam-se, neste feriado, ao "dolce fare niente" todos aqueles que por algum motivo ainda não se encontram , ou já gozaram as suas férias.

A trabalhar só os que não conseguem (ou não podem) escapar, os infelizes, os sacrificados nos serviços essenciais, e mesmo esses muito devagarinho.

Tudo isto tráz-me à memória um excelente filme que recomendo vivamente



Almoço de 15 de Agosto / Pranzo di Ferragosto 




Demorei muito para entender onde Almoço em Agosto queria chegar, o que ele queria dizer. Na verdade, só peguei o espírito da coisa bem no final do filme. O problema é meu – não do filme, que, afinal de contas, é muito bom.
É um filme sobre a velhice, o que fazer com nossos velhos. Um tema difícil, duro, complexo. 


trailer do filme Pranzo di Ferragosto
De: Gianni Di Gregorio, Itália, 2008

Quando a ação começa, temos um homem na faixa aí dos 60 anos lendo para sua mãe, uma senhora de bem mais de 80. Ele se chama Gianni; sua mãe, Valeria (Valeria De Franciscis), é uma senhorinha feia como uma bruxa de história aos quadradinhos, coitadinha; ela está deitada na sua cama, e Gianni lê-lhe uma passagem dos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.

A certa altura, Valeria pergunta como é, fisicamente, D’Artagnan. Gianni volta atrás no livro, até encontrar o ponto em que Dumas descreve o rosto de D’Artagnan. Conversam mais um pouco, até que Valeria adormece. Gianni apaga a luz, sai do quarto, vai para o seu, e deita-se.

Corte: vemos Gianni, na manhã seguinte, caminhando até à mercearia perto de sua casa. Pede um copo de vinho branco, bebe um golinho; compra duas garrafas de vinho, um refrigerante para a mãe, alguma coisa para preparar para o almoço e para o jantar. Pede que o mercieiro aponte na cadernetinha, e pergunta-lhe quanto está a dever – a conta já está um tanto elevada.

Gianni pega nas coisas que comprou, mais o copo de vinho branco, e senta-se do lado de fora da mercearia, numa mesa improvisada na calçada, onde já está sentado Viking (Luigi Marchetti), um homem barbudo, cabelo desalinhado, displicente, parecendo um mendigo; conversa fiada durante algum tempo; falam acerca do calor insuportável, da cidade vazia, e aí vamos percebendo que estamos num bairro de Roma, no auge do verão – todos os que podem saem da cidade.

Gianni, veremos, não pode – e não apenas porque tem que cuidar da sua mãe bem velhinha. Gianni está desempregado; não se diz isso claramente, mas é o que tudo indica. Não é só na mercearia próxima que ele tem dívidas; não paga a conta da electricidade já faz algum tempo, nem o condomínio do prédio. Deve a muita gente. Saberemos disso porque Gianni recebe a visita de um de seus credores, o senhorio do prédio onde mora.

O senhorio, Alfonso (Alfonso Santagata) apareceu para cobrar – e para proporr um negocio a Gianni. Alfonso quer passar dois dias fora, e pede a Gianni que hospede a mãe dele na sua casa – uma vez que já toma conta da mãe… Em troca, Alfonso perdoará parte da dívida de Gianni.

Em vez de levar apenas a mãe, o senhorio aparece com a mãe, Marina (Marina Cacciotti) e uma tia, Maria (Maria Cali).

Gianni recebe também a visita de um seu amigo médico – que estará de plantão naquela noite, e não tem com quem deixar sua mãe, já que a romena que cuidava dela resolveu voltar para a Roménia. E daí a pouco chega a mãe, Grazia (Grazia Cesarini Sforza) – acompanhada por uma série imensa de recomendações, remédios que tem que tomar, lista de comidas que não pode comer.

Quando estamos lá pela metade do filme, Gianni está com quatro velhinhas para cuidar – alimentar, instalar pelos sofás da casa, tomar conta, atender aos diversos pedidos…




Tudo extremamente bem feito, belíssimas actuações

Fiquei um pouco incomodado com aquilo. O tom do filme é leve, suave, até bem humorado, quase abertamente cómico. Comentei com a Bia que me desagradam os filmes que tratam os assuntos sérios, pesados, importantes, num tom cómico.


O que quer este realizador, ao mostrar desta forma a questão fundamental na vida de todos nós do que fazer com os nossos velhinhos (e o que vão fazer de nós quando também formos nós os velhinhos)?

É tudo extremamente bem feito, não há um único senão no filme, em todos os aspectos técnicos – direção de arte, fotografia, música, elenco. Todo o elenco é perfeito, um brilho – eu não conhecia nenhuma daquelas pessoas, nunca tinha visto o actor, espetacular, que faz de Gianni.

Foi só agora, no meio desta anotação, que me apercebi que Gianni é interpretado pelo próprio Gianni Di Gregorio, o director, autor do argumento e um dos argumentistas.




Uma grande admiração pelas pessoas simples

No final, o filme resolve-se maravilhosamente. Responde de forma alegre, positiva, para cima, às questões que me fui fazendo. Nos créditos finais, está dito que o filme teve o apoio do Ministério dos Bens e das Ativides Culturais, e isso faz todo sentido. É um belo filme, uma bela lição sobre os problemas da velhice.

Tem um humanismo, uma admiração pelas pessoas simples, como só o cinema italiano é capaz; a cinematografia italiana está cheia disso, desse amor apaixonado pela humanidade.

Não encontrei muitas informações sobre Gianni Di Gregorio na internet. Ele tem vários trabalhos como argumentista – é um dos autores do argumento de Gomorra, um filme elogiadíssimo; já foi assistente de realização. Este filme foi seu primeiro trabalho como director. E isso é impressionante, porque o filme parece de um director maduro, experiente, veterano.

As quatro senhorinhas que interpretam Valeria, Marina, Maria e Grazia – todas elas com os mesmos nomes que têm na vida real – nunca tinham trabalhado num filme antes. Isso é sensacional: um director estreante, trabalhando, com brilho, como actor, e dirigindo quatro velhinhas que nunca tinham estado diante de uma câmara.

Bem, só falta dizer que Ferragosto, título original, é, conforme informa a Wikipedia, um feriado italiano celebrado no dia 15 de Agosto.

Originalmente, estava relacionado às celebrações do meio do verão e do fim do trabalho da colheita nos campos. Com o tempo, a Igreja Católica passou a adoptar essa data para comemorar a assunção da Virgem Maria.

Actualmente, Ferragosto é um feriado em que milhões de italianos saem das suas cidades natais.



Realização Gianni Di Gregorio, Itália, 2008

Com Gianni di Gregorio (Gianni), Valeria De Franciscis (Valeria, a mãe de Gianni), Alfonso Santagata (Alfonso), Marina Cacciotti (Marina, a mãe de Alfonso), Maria Calì (Maria), Petre Rosu (Barbone), Marcello Ottolenghi (o médico), Luigi Marchetti (Viking), Grazia Cesarini Sforza (Grazia)

Guião Gianni Di Gregorio e Simone Riccardini

Argumento Gianni Di Gregorio

Fotografia Gian Enrico Bianchi

Produção Archimede

Cor, 75 min

Título em inglês: Mid-August Lunch