quarta-feira, 24 de setembro de 2014

As Partículas Elementares III

Frequentamos as pessoas durante anos, por vezes dezenas de anos, habituamo-nos pouco a pouco a evitar as questões pessoais e os assuntos realmente importantes; mas conservamos a esperança de mais tarde, em circunstâncias mais favoráveis...



...podermos justamente abordar esses assuntos, essas questões; a perspectiva indefinidamente afastada de um modo de relação mais humano e mais completo, nunca se apaga por completo, simplesmente porque é impossível, porque nenhuma relação humana se acomoda a um quadro definitivamente estreito e rígido.


Mantém-se a perspectiva, portanto, duma relação “autêntica e profunda”; mantém-se durante anos, por vezes dezenas de anos, até que um acontecimento definitivo e brutal (em geral da ordem dum óbito) venha fazer-nos saber que é demasiado tarde, que essa relação “ autêntica e profunda” cuja imagem acariciámos não teria lugar, também ela, não mais lugar que as outras.



O conhecimento, sim…

Há um desejo de conhecimento que permanece.

É uma coisa curiosa o desejo de conhecimento…Muito poucas pessoas o têm, bem se entende, até mesmo entre os investigadores; na maior parte dos casos contentam-se em fazer carreira, bifurcam rapidamente para o administrativo; e todavia, trata-se dum desejo terrivelmente importante na história da humanidade. Poderíamos uma fábula em que um grupo muito reduzido de homens – no máximo algumas centenas de pessoas à superfície do planeta – persiste com obstinação uma actividade muito difícil, muito abstracta, absolutamente incompreensível para os não iniciados.


Esses homens continuam para sempre a ser desconhecidos para o resto da população; não conhecem nem o poder, nem a fortuna, nem as honras; ninguém é sequer capaz o prazer que a sua pequena actividade lhes proporciona. E, contudo, são a força mais importante do mundo, e isso por uma razão muito simples, uma simples pequena razão; são detentores da chave da certeza racional.


Tudo o que declaram verdadeiro é mais cedo ou mais tarde reconhecido como tal pelo conjunto da população; não conhecem nem o poder, nem a fortuna nem as honras; ninguém é sequer capaz o prazer que a sua pequena actividade lhes proporciona.

Nenhuma força económica, politica, social ou religiosa é capaz de enfrentar a evidência da certeza racional. Pode dizer-se que o Ocidente se interessou além de toda a medida pela filosofia e pela política, que se bateu duma maneira perfeitamente insensata em torno das questões filosóficas ou políticas; podemos dizer também que o Ocidente amou apaixonadamente a literatura e as artes; mas, na realidade, nada terá tido tanto peso na sua história como a necessidade de certeza racional. O Ocidente terá acabado por sacrificar tudo a esta necessidade de certeza raciona; a sua religião, a sua felicidade, as suas esperanças e em última análise a sua vida. É uma coisa que teremos de ter presente se quisermos fazer um juízo de conjunto sobre a civilização Ocidental.



O que decide do valor duma religião é a qualidade da moral que ela permite fundamentar.

Mas acabo por pensar que as religiões são acima de tudo tentativas de explicação do mundo; e nenhuma tentativa de explicação do mundo pode manter-se e contrariar a necessidade de certeza racional.


A prova matemática, o procedimento experimental são conquistas definitivas da consciência humana. 


Bem sei que os factos parecem contradizer-me, bem sei que o islão – de longe a mais estúpida, a mais falsa e a mais obscurantista de todas as religiões – parece ganhar terreno na actualidade: mas isso não passa dum fenómeno superficial e transitório; a longo prazo, o islão está condenado ainda mais seguramente do que o cristianismo.








Porque se deve lêr Michel Houllebecq