O Renascimento, o Iluminismo, ciência e tecnologia, e o
reconhecimento dos direitos do homem, são os valores de estado (ocidentais) que
têm dominado o mundo nos últimos 500 anos. Ao longo dos últimos 200 anos, a
visão Anglo – Americana de economia: assumiu forma e através da: industrialização;
a democracia representativa liberal; colonização patrocinado pela inovação e
crescimento económico. Estes elementos acabaram por se fundir na globalização
económica.
O sismógrafo regista agora algo mais sinistro do que
fissuras; desafios a praticamente todos estes elementos-chave estão na base do
movimento descontrolado que a agulha indica.
O macho alfa da ordem mundial, os EUA, não quer nem é capaz
de defender o sistema de controle. Ele deixou de ser a nação indispensável. A centelha
de idealismo desapareceu, forçando os EUA a voltar ao poder bruto da força,
apesar de toda a sua conversa sobre o democracia, liberdade e tolerância.
A autoridade
moral desapareceu e já não está presente e disponível para apoiar e fundamentar
as políticas dos EUA e suas intervenções.
O mal-estar começa em casa. Os norte-americanos já não
confiam no seu próprio modelo e não expressam vontade de "exportação".
A desigualdade está a crescer. A família, importante para a educação dos filhos,
está gradualmente a ser desviada; filhos de pais solteiros têm menos
experiência de convívio com outras pessoas. Juntos, esses
"terramotos" sociais aniquilam coerência e uniformização, propósitos
comuns e consenso, comprometendo assim por todo o mundo o modelo
norte-americano - como o objectivo final ou mais simplesmente ainda como uma norma
a ser copiada e adoptada. Ainda que com
alguns ajustes - perdeu totalmente o seu encanto. O modo de vida americano
ainda é atraente, mas nem o sistema político norte-americano nem o modelo
económico evocam sentimentos semelhantes.
A ausência de autoridade moral, abriu a porta para uma
enxurrada de novas ideias, novas ideologias e modelos novos, todos eles
adulterações, tapando buracos, e contestando a ordem mundial existente.
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A globalização da economia está a ser desafiada pelo
nacionalismo económico. A globalização económica fez maravilhas e ainda são
palpáveis os crescimentos económicos que proporciona, maiores do que em
qualquer outro modelo. No entanto contém em si vários problemas.
A globalização económica estripa a identidade cultural
enraizada no nacionalismo do povo, e é sentida como uma ameaça aos costumes, à religião
e à cultura familiar, normas essenciais e tradicionais para a vida diária. As
pessoas têm estado, até agora, dispostos a sacrificar uma parte de sua
identidade cultural, porque as recompensas desta globalização económica, eram
grandes e tangíveis. Com a queda de crescimento global a pôr um fim a este
ciclo e com políticas para a sustentar, agora, à sombra dum crescimento menor, a
alteração e o termino de muitas regras nacionais no processo de alienar para
permitir o controle político da economia – as pessoas sentem que o sistema não
é delas nem para elas, mas sim configurado, executado e controlado por
"alguém. '
Por conseguinte, a concentração de capital e controle da
economia sofreu uma mudança dramática ao longo das duas últimas décadas. O
número de instituições financeiras, incluindo os bancos, diminuiu, dando a
essas instituições - e, implicitamente,
às pessoas que controlam essas instituições - um maior poder sobre a economia
global como nunca antes foi visto. 147 empresas directa ou indirectamente
controlam 40 por cento das transacções comerciais globais.
A ligação e a interactividade entre o empresário e os
trabalhadores que vivem na mesma comunidade desapareceu. A propriedade torna-se
cada vez mais impessoal e opaca e é distorcida por fundos e outros produtos
financeiros através de uma agenda de lucro a curto prazo - o jogo de magia financeira
– que tornam desinteressante a construção dum emprego de longa duração que
preste actividade genuína.
É perturbante que estudos e sondagens mostrem de forma
inequívoca, como as estratégias empresariais são construídas deliberadamente
para evitar os impostos e, se isso não for possível, para confundir, minimizam
receitas e lucros, para diminuir os impostos; muitas nações não recebem nenhuma
receita fiscal das empresas multinacionais que aí operam a todo vapor.
O grau de desigualdade está a crescer. Análises recentes
revelaram que as 138 pessoas mais ricas do planeta possuem uma riqueza maior doque os 3,5 biliões de pessoas mais pobres juntas. Outra pesquisa revela que muito
em breve apenas 1% da população mundial, os mais ricos, possuirão mais riqueza
que todo o resto da humanidade junta.
As pessoas chegam facilmente à conclusão que se um
crescimento maior proporciona mais riqueza às pessoas já muito ricas, então um
modelo económico com um crescimento menor mais equitativamente distribuído
poderá ser melhor para elas.
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Extremismo versus compromisso e consenso pode não ser nada
de novo numa perspectiva histórica, mas desde 1945 até uma ou duas décadas
atrás o compromisso e o consenso reinaram em grande escala sem contestação. O
fanatismo ao dar à luz o nazismo, o fascismo e o comunismo pode explicar a
razão porque a visão do mundo ocidental se moveu rápida e fortemente na
direcção do compromisso e do consenso.
Pode ser que seja exactamente esta prevalência - este
sucesso - que deu origem à reunião da oposição em torno do extremismo muitas
vezes usando (abusando?) da Religião. Do ponto de vista ocidental, tomou a
forma de fanáticos muçulmanos, mas não é um fenómeno exclusivo do Islão.
O Wahhabismo é a força motivadora
(e motriz) por trás do terrorismo
atribuído ao Islão, mas conta com menos de 10 milhões de pessoas. O fundamentalismo
cristão rejeita a teoria da evolução e como consequência o papel fulcral da
ciência e tecnologia, nas sociedades modernas. Não matar e a não-violência são
centrais no budismo mas há notícias de monges budistas que incutem ódio contra
os muçulmanos. O extremismo hindu (nacionalismo) é uma força a ser tomada em
conta na Índia. É difícil escapar à observação de que a religião é refém do
extremismo.
A urbanização produziu uma classe de falhados sociais. Eles
têm dificuldade em aceitar as suas novas condições e é ainda mais difícil de
admitir que isso pode ser devido a um sistema de educação inadequada e que uma
estrutura económica petrificada possa resistir à combinação de modernização e
desenvolvimento. Em vez disso, eles culpam os estrangeiros e o modelo económico
ocidental. Daí até procurar um refúgio na religião - pelo menos para alguns
deles - não é um grande passo. O próximo passo, na forma de violência como
justificação, requer a defesa da identidade, que é lhes oferecida por fanáticos
religiosos que citam textos religiosos - muitas vezes fora de contexto.
Três factores explicam por que esta oscilação de causa efeito é mais visível entre os muçulmanos do que entre outros grupos religiosos.
Em primeiro lugar,
o mundo muçulmano está geograficamente perto da Europa. O cristianismo e o
islamismo têm se enfrentado ao longo dos séculos. Desde a industrialização que
uma grande parte do Médio Oriente e do mundo árabe se tornou parte dos impérios
britânico e francês. Mas os orgulhosos tempos de outrora, em que os papéis eram
opostos não foram esquecidos, e são a razão da crescente animosidade e raiva à
procura duma explicação, e mais importante ainda, como restabelecer uma relação
mais igualitária.
Em segundo lugar,
o mundo muçulmano e o islamismo são especiais: quase todas as outras culturas
saudaram a cultura ocidental ou aspectos da mesma. O Islão foi ficando como a
única "visão de mundo" teocrático fundamentalmente diferente, não só da
visão de mundo ocidental, mas também do seu laicismo.
Os muçulmanos sentiram que eles e a sua religião, tinham um
papel especial.
Em terceiro lugar, a
imigração dos muçulmanos para a Europa agora corresponde a cerca de quatro por
cento e até quase 10 por cento, dependendo do respectivo país que é observado;
isto alterou as regras ao jogo. Esses imigrantes constituem um elo entre a
cultura europeia (ocidental) e a cultura dos seus países de origem. A
integração não vai bem, em parte por causa do crescimento económico mais baixo,
muitos deles transformaram-se em falhados sociais que culpam disso os seus
países de acolhimento. Eles deambulam com a identidade dividida, entre a sua
nova condição e aquela donde eles ou os seus pais vieram. As redes sociais
oferecem amplas oportunidades para se relacionarem com outras pessoas em
situações semelhantes à procura de respostas. Eles procuram uma identidade.
Alguns deles são seduzidos por fanáticos que os convencem de
que as queixas de que estão enfermos são justificadas. A violência contra os
opressores (a globalização económica e a visão de mundo ocidental) é pregada
pelos extremistas como a única maneira de resolver o dilema. Ataques bem
sucedidos provam o ponto que o modelo ocidental é decadente e fraco, aumentando
assim a credibilidade da mensagem dos extremistas. A resposta do Ocidente invadindo
países muçulmanos acrescenta combustível às chamas, oferecendo aos extremistas os
pretextos referentes às cruzadas e à era colonial.
Os terroristas usam (abusam) das religiões para justificar a
violência e movem o mundo para um vácuo cognitivo, vazio de valores e normas, o
que aumenta o espectro de uma humanidade depravada.
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As redes sociais podem aumentar a segregação. À primeira
vista as redes sociais têm o potencial de poderem melhorar a compreensão mútua
entre os povos e o respeito pelos valores, mas uma observação mais minuciosa
revela um grave risco para a tolerância e o respeito mútuo.
As pessoas que usam redes sociais tendem a comunicar com os
de cultura e valores comportamentais análogos. Eles reforçam-se mutuamente com
as suas crenças, promovendo atitudes não comprometedoras, solidificando a noção
de que "nós" estamos certos e "eles" estão errados. Estes
grupos, em redes refugiam-se nos seus castelos, hospedando aí a sua
intelectualidade, ou melhor mentalidade, içando as pontes levadiças, antes que
o controle de qualidade da Internet elimine as comunicações culturalmente
ofensivas ou incorrectas. Essa era a responsabilidade do chefe editor.
No caso dum pior cenário ele / ela poderia ser
responsabilizado - legal ou eticamente. Hoje as declarações mais absurdas podem
ser postadas na rede por qualquer um. O perigo é altamente potenciado quando a
rede é usada para postar informação que parece séria e factual, mas é na
verdade é deliberadamente enganosa.
No mundo de hoje, o indivíduo está exposto à enorme pressão dos
vários media através da esmagadora massa de informações recebidas e de convites
constantes para interacção e comunicação
e se integrar em redes sociais. Da mesma forma, a globalização económica,
através duma vasta gama de bens e serviços força o indivíduo a consumir e a
fazer escolhas na sua vida diária, o que pode parecer fantástico, mas embute
riscos e incertezas não conhecidas até aqui. Ou seja, quer identidade bem definida,
quer as normas das comunidades locais e as normas culturais estabelecidas estão
debaixo dum ataque cerrado. O indivíduo reage então recuando de volta ao
básico: afinal quem sou eu?
A resposta tem sido a procura e em seguida a adesão a grupos
ancorados em valores comuns partilhados. As redes sociais tornam esta solução
facilmente acessível à maioria. Um efeito preocupante decorrente é a segregação
mais profunda destas sociedades emergentes, com paredes em volta dos seus
valores, existentes dentro dos estados nação, que o dividem em grupos de acordo
com os diferentes valores de cada cultura.
Antes o Estado nação actuava como um prestador de serviços
oferecendo à sua população, estabilidade económica e de segurança social. O
menor crescimento na esteira da crise económica priva os Estados nação dos
meios financeiros para desempenhar essa função. As pessoas são então deixadas
para trás e caem, a título definitivo,
em grupos fora desse enquadramento oficial, para complementar ou substituir o
próprio estado como prestador de serviços. Sendo este o caso, eles tornam-se
cativos do grupo a que entraram para receberem os serviços de que precisam para
ter sucesso. Segue-se uma diminuição na mobilidade social e geográfica.
Em alguns casos, grupos formados por extremistas impedem os
membros de sair, e, se necessário através da aplicação das suas próprias leis
completamente à parte das leis da comunidade estatal ou local. Torna-se um tudo
ou nada. As sociedades paralelas florescem, mas muitas vezes são difíceis de
detectar, pois elas não desafiam abertamente o Estado. O resultado é a não lealdade
ao Estado e a não identificação com os
outros cidadãos do mesmo estado.
A religião é um candidato óbvio para agregar os valores de
grupo, mas está longe de ser o único a unir pessoas e talvez não seja mesmo o
valor mais forte. A Cultura duma região ou a unidade geográfica ou política
semelhante, como observado nas antigas regiões da Europa (Escócia, Catalunha,
Bavaria e Lombardia, para citar alguns exemplos) ressurgem após 200 anos de
hibernação. Vários estilos de vida (por exemplo, Gangues de motoqueiros)
funcionam da mesma forma.
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A tecnologia reduziu os custos da interacção humana,
levando-nos para um mundo veloz de comunicação e interacção entre os seres
humanos, mas, na verdade, com muito pouco contacto humano. As pessoas,
especialmente os jovens, gastam cada vez mais e mais do seu tempo isolados dos
outros seres humanos, mas "ligados" ao seu PC ou qualquer dispositivo
que usem para comunicação. O mundo está a tornar-se algo como uma “história em
quadradinhos” pois nem aqueles com quem se comunica, nem a pessoa que com eles
comunica, compreende ou sente realmente as consequências, porque o que eles
vêem são apenas imagens ou textos, mas nunca genuínos seres humanos. O mundo do
download e dos jogos transmite a impressão de que é possível desfazer o que
aconteceu e começar de novo. Desastres, dor e até mesmo a morte que se abatem
sobre os outros, não são sentidas, porque as pessoas cativadas pelo mundo dos
dispositivos, não entendem nem sabem o que o mundo real é.
As pessoas inseridas neste mundo não natural tornam-se pouco
sensíveis, até mesmo totalmente insensíveis, como corpos calosos, quando confrontados
com o sofrimento de Seres Humanos, seus companheiros. A violência, crueldade e
terrorismo para com os outros não conta e não podem ser julgadas através duma perspectiva
humana. Aparentemente não sentem qualquer inibição para empreender acções que
firam outros seres humanos.
Fala-se muito sobre robôs e a inteligênciaartificial, vir a superar os seres humanos, relegando-os a
"escravos". Parece mais urgente analisar como os seres humanos se podem
transformar em clones de máquinas sem sentimentos erodindo todos os fundamentos
humanos.
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Os direitos fundamentais de liberdade têm ganho terreno ao
longo das décadas que precederam esta leitura, mesmo que isso não pareça ser a verdade
ao lermos os meios de comunicação de massa, principalmente no mundo ocidental, que
lamentam o estado de coisas em países que raramente analisam. Uma mistura de
liberdade, de direitos fundamentais humanos, liberdade de expressão, e definição
de democracia penetra quase todos os escritos e embacia as questões.
Os direitos fundamentais podem ser definidos como a
liberdade do direito do cidadão de poder definir o seu próprio perfil cultural “vis-a-vis”
com os outros seres humanos e “vis-à-vis” com o Estado - não há ser humano que
viva isolado numa redoma – e portanto a pergunta é o que pode ser feito e o
que pode ser dito, desde que uma pessoa queira continuar a viver nesta
sociedade, comunidade ou grupo? O filósofo Inglês John Locke (1632-1704)
declarou que a liberdade pressupõe a auto-disciplina. Indivíduos que vão longe
demais forçam a um colapso dos valores comuns e partilhados, sem os quais não se
pode manter unido o grupo ou comunidade. Quando a vontade do mais forte prevalece
sobre os valores, a liberdade é a vítima. O indivíduo fica sem protecção dos
outros cidadãos quer tanto através dos valores comuns quer quando todos são
iguais e está sujeito à regra do direito conforme a lei.
A tarefa de encontrar os limites e, assim, defender os
direitos fundamentais da liberdade recai sobre o indivíduo. Nem o grupo nem a
comunidade / sociedade pode resolver este enigma. Comportamento de grupo e
valores comuns diminuem (o ideal é abolir) a necessidade da imposição. Quanto
menos os valores profundos comuns estão instalados, maior é a probabilidade
duma necessidade de supervisão e o controlo entre em escalada - violando os
direitos fundamentais de liberdade, e na verdade, transformando-se numa autocracia.
A liberdade de expressão está embutida nos direitos
fundamentais da liberdade, desde que a auto-disciplina seja incorporada nos
padrões de comportamento, sem a qual, existe o risco de serem inconciliáveis
esses dois ideais. Como os acontecimentos têm demonstrado ao longo das precedentes
décadas, a liberdade de expressão dentro de grupos ou comunidades, até mesmo de
Estados nação, que negligenciam outros valores exteriores levanta a questão de
que significa a liberdade de expressão. Se a reacção de grupos com valores
diferentes se tornar muito forte, o Estado intervém para evitar conflitos. Se o
Estado não intervir, grupos externos podem tomar essa acção por suas próprias
mãos para sinalizar que os seus valores foram violados. Em ambos os casos,
haverá limites - escritos ou não - para a liberdade de expressão, por mais que isso
seja negado. "Se você usar sua liberdade de expressão às nossas custas, nós, em seguida, temos o mesmo grau de
liberdade?" é um contra-argumento.
O conceito de direitos humanos tem um ponto fraco, é difícil
de definir e é globalmente visto como um fenómeno ocidental. Para grupos
culturais e estados nação que não desejam adoptar os sistema social e político
ocidental esta associação torna os direitos humanos pouco apetecíveis, mesmo quando
alguns ou muitos dos seus elementos estejam já bem integrados e a prosperar nas
suas sociedades. O Ocidente (EUA) teria sido mais sábio e prudente se tivesse
falado às outras nações e grupos culturais sobre as virtudes dos direitos
humanos, tal como são praticados no Ocidente, em vez de ensinar e tentar
"exportar" o modelo, sem querer entender o tempo que levou para criar
raízes no mundo ocidental e as enormes diferenças entre o Ocidente e outras regiões
com diferentes origens culturais.
A percepção é de que a liberdade não pode ser alcançado sem
democracia. Há vários pontos fracos neste ponto de vista. Em muitos países não ocidentais
existe cepticismo sobre a democracia como ela é vista no Ocidente e a posição
de que a liberdade não pode ser alcançado por qualquer outro regime político
não é aceite. A grande maioria quer direitos fundamentais de liberdade, mas
está disposta a dar outra hipótese a sistemas políticos alternativos antes de
saltar a bordo dum sistema político de que eles sabem muito pouco. Aquilo que
aconteceu no Iraque não os seduziu propriamente.
A maioria dos países na Ásia e em África são multiculturais,
multi-religiosos e multi-étnicos. Nesses países, o Estado protege as minorias.
A democracia com eleições livres podem vir a entregar a uma maioria parlamentar
um governo composto apenas por um desses grupos culturais, abrindo assim as
portas ao exercício do imperialismo cultural, ou ainda pior, à opressão das
minorias. Os defensores da democracia e eleições livres não têm sido capazes de
solucionar esta equação e falhado ao explicar como a democracia iria promover
os direitos fundamentais de liberdade, e os elevados ideais em tais
circunstâncias. Nas democracias estabelecidas o eleitor vota de acordo com o
desempenho dos partidos políticos - pelo menos é o que faz um número suficiente
para alterar a maioria. Não é assim que acontece nos países mais multiculturais
com um padrão fixo de votação segundo uma identidade cultural.
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Democracias não liberais estão emergindo como um híbrido estranho.
À superfície eles parecem-se com as democracias, mas na realidade violam os
princípios democráticos ao mesmo tempo que os direitos mais fundamentais de
liberdade estão sob ataque e, em alguns casos, são praticamente inexistentes.
Há, no entanto, que fazer uma distinção entre as democracias
não liberais em países próximos ou que pertencem ao círculo da cultura
ocidental (vamos classificá-los de países monoculturas) e dos países fora deste
círculo ocidental.
Para o segundo grupo de países, a democracia “iliberal” pode
ser vista como um passo no desenvolvimento de um sistema político, seja ele a
democracia ou qualquer outra coisa, e a tatear para encontrar a melhor maneira
de lidar com os direitos fundamentais de liberdade tendo em conta os "constrangimentos"
do multi-culturalismo. Em alguns casos, a situação dos direitos fundamentais de
liberdade pode estar melhor do que há uma década ou duas.
Para o primeiro grupo de países, o quadro é diferente. Para
eles, a democracia “iliberal” pode ser e muitas vezes é um retrocesso ao afastar
a verdadeira democracia e tomar a democracia “iliberal” como um disfarce para a
autocracia, ou a ditadura mesmo. Como a maioria destes países estão
geograficamente próximos das democracias ocidentais, transformam-se em campos
de batalha dos sistemas sociais, como é um exemplo claro a Ucrânia. Se a
Ucrânia tem sucesso como uma verdadeira democracia combinando isto com prosperidade
económica, a pressão sobre a Rússia e os seus líderes para mudar o sistema
político vai aumentar. Se a Rússia conseguir evitar que a Ucrânia percorra este
caminho, a pressão sobre um certo número de países da Europa Central e Oriental
vai aumentar; as nações adjacentes a leste com um Estado nação muito menos
liberal e com um sistema menos aberto não terão uma vizinhança agradável.
Infelizmente para as democracias ocidentais, especialmente
para o Congresso dos Estados Unidos, um novo fenómeno, que pode ser rotulado de
democracia oligarca e que consiste em pedir dinheiro emprestado ao exterior,
está a ganhar terreno.
Os lobbys do petróleo, gás, telecomunicações e do sector
financeiro entre muitos outros, tornam muito difícil (ou impossível) aos
eleitos não ceder às tentações da corrupção.
É preciso uma grande dose de optimismo para sustentar que,
em tais circunstâncias o sistema político e os políticos individualmente
conseguem desvincular-se da influência exercida pelos próprios doadores e
lobistas. Isto questiona o próprio carácter esperado duma democracia
representativa liberal , para que possa reflectir sobre os vários estratos sociais da população excluindo o factor
dinheiro.
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A xenofobia embora de uma forma mais branda é cada vez mais
difundida e subrepticiamente arrasta-se na agenda política como algo que todo
mundo sabe, mas poucos admitem. É cada vez mais difícil entrar noutros países
para trabalhar; vários países estão a introduzir esquemas que exigem prova de
que um nacional não pode desempenhar uma função antes de admitir um
estrangeiro, segundo, limites de quotas.
A principal preocupação num sentido "filosófico" é
a aceitação tácita de que os seres humanos não são todos iguais. Em termos
gerais, até há uma década atrás, parecia que o mundo estava a caminhar na
direcção da igualdade, mas as restrições em matéria de imigração e de autorizações
de trabalho podem ser os primeiros tiros num conflito que se aproxima, centrado
em valores de discriminação dos seres humanos de acordo com a cultura, raça e
religião.
A história fornece-nos exemplos (por exemplo, o período
entre as guerras na Europa) que quando esta porta se abre, independentemente da
forma como isso acontece, assiste-se de seguida à escalada da discriminação
aberta que justifica a opressão e a crueldade que pode ser seguida ainda por
maus-tratos. Quem está no poder (talvez uma maioria) sente-se no direito de
adoptar tais políticas, porque não consideram as outras pessoas como seus
iguais. Muitos alemães que, em 1930, nunca teriam pensado matar judeus fizeram
isso dez anos mais tarde, sob o pretexto de que os judeus não eram seres
humanos iguais a eles. Nunca se consegue ter um pé firme numa encosta
escorregadia!
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A elite contra a maioria. Os valores usados por um número
relativamente pequeno de seres humanos - os estratos superiores duma elite
bem-educada que possuía uma comunicação facilitada numa língua franca, comum entre
os membros deste grupo selecto. Tudo isto mudou com uma velocidade exponencial
ao longo do último quarto de século.
A elite global adoptou a língua Inglesa como língua global e
comum, mas essa elite ainda pensa e age de acordo com a sua cultura original,
dando à mesma palavra significados diferentes. Uma linguagem comum em
detrimento de uma língua franca!
A cultura anglo-americana não pode reinar supremamente por mais
tempo; outras culturas e religiões reapareceram da hibernação.
Valores e partilha de valores através das fronteiras saiu
fora do controle da elite; milhões, talvez até mesmo milhões de pessoas usam
redes sociais para contestar os valores reinantes e o papel da elite. A
comunicação global ocorre em níveis distintos com insiders (a elite) e os de
fora (a maioria) que comunicam de forma independente. Na perspectiva de longo
prazo esta divisão como uma ameaça à globalização ofusca a desigualdade económica.
Pode não ser politicamente correcto dizer isto, mas a não elite não tem a mesma
origem e educação; Tende a ser mais nacionalista e menos interessado em muitas
facetas da globalização. A não elite actua mais pela intuição e responde automaticamente
por emoções e "valores próximos a mim", fazendo dos seus membros
presa fácil à sedução, apoiando decisões rápidas e favorecendo soluções de
curto prazo muitas vezes à custa de "outros". Eles são menos críticos
e mais emocionais. A maneira mais demorada e trabalhosa do processo da racionalidade
e da lógica, aplicando a análise crítica herdada do Iluminismo, é posta de
lado.
Isto pode não ser totalmente novo, mas a escala é. Lições da
história e o que temos visto ao longo do último quarto de século indicam que a
elite é capaz de lidar com estes movimentos, desde que a economia esteja boa, haja
confiança no modelo económico e que o sistema político esteja bem considerado -
em suma, a elite produz resultados.
Mas isto é precisamente o que foi perdido ao longo dos
últimos 10 ou talvez 15 anos, em que o "modelo global" não produziu, tendo
enganado os eleitores contornando a verdade, perdendo credibilidade no
processo, e muitos situações que geriram foram de mal a pior convidando o pensamento
alternativo a surgir à superfície.
A questão é se a civilização como a conhecemos pode
sobreviver a uma transformação a partir dos valores estabelecidos por alguns (a
elite) para um leilão global que oferece valores e percepções diferentes e
muitas vezes em conflito entre si. Com sorte uma espécie de civilização global benigna
pode emergir. A alternativa é o surgimento de conflitos e conflitos armados
fora dos valores que justificam a violência contra aqueles que pensam de maneira
diferente - o caminho mais fácil.
O poder do povo pode parecer maravilhoso, mas é perigoso
esquecer que ele abre a porta aos valores mantidos sob controle, por uma tampa
moldada por aqueles capazes e dispostos a incorporar repercussões de suas acções
sobre os outros. O populismo espreita ao virar da esquina.
O filósofo holandês Baruch Spinoza, judeu Português, (1632-1677)
ponderou sobre o seguinte dilema. A democracia é a mais razoável forma de
governação; pois nela "cada um submete à autoridade o controle sobre suas
acções, mas não sobre o seu julgamento e sua razão, ou seja, vendo que tudo não
pode pensar da mesma forma, a voz da maioria tem força de lei." O defeito
da democracia é a sua tendência para colocar o poder na mão de medíocres; e não
há maneira de evitar isto a não ser limitando o exercício do poder, a homens de
"habilidade treinada". Números só por si só não podem produzir
sabedoria, e podem conduzir ao topo as maiores grosserias e bajuladores de favores.
"A disposição inconstante da multidão quase conduz quem tem experiência,
ao desespero, pois são regidos exclusivamente pelas emoções, e não pela
razão."
Assim o governo democrático torna-se uma procissão de
demagogos de duração breve, e os homens de valor são relutantes em fazer parte
de listas onde eles devem ser julgados e avaliado por seus inferiores. Mais
cedo ou mais tarde, o homem mais capaz rebela-se contra esse sistema, ainda que
estejam em minoria. "Por isso eu acho que é então que as democracias se
transformam em aristocracias, e finalmente em monarquias"; na últimas as
pessoas preferem a tirania ao caos. Igualdade de poder é uma condição instável;
Os homens são por natureza desiguais; e "Aquele que procura a igualdade
entre desiguais busca um absurdo."
______________________
Um novo sistema. O mundo está a passar por uma dessas fases
raras, mas tumultuosas em que é incapaz de acomodar mudanças na ordem
existente. Possivelmente, a idade da economia será relembrada como um
interregno que permitiu a construção da fundação materialista para a humanidade
iniciar uma época de valores não materialistas, como foi o caso de muitas
culturas antigas. Se assim for, não é realista que a mudança venha a emergir nos
EUA, por estarem tão comprometidos com o pensamento económico.
A ressurreição dos valores asiáticos adormecidos ao longo
dos últimos 250 anos - na verdade culturalmente oprimidos e ocupados por
valores ocidentais - pode acontecer. Religiões asiáticas e filosofias podem oferecer
uma alternativa ancorada numa visão dum mundo menos materialista, com melhores
e mais profundas interacções entre o reconhecimento de Deus, a natureza e os
seres humanos, e um papel mais forte para o colectivo em relação ao individual.
Em alguns, talvez até mesmo muitos aspectos, os valores tradicionais asiáticos
representam o oposto do sistema de valores anglo-americanos. Um exemplo disso é
a baixa classificação na hierarquia do comerciante tradicional chinês e do alto
escalão do agricultor. O dinheiro não exerceu influência da mesma ordem como no
caso nos países industrializados da sociedade.
Essa nova visão de mundo depende muito primeiro lugar da
capacidade dos países asiáticos de reforçarem a confiança mútua e em segundo
lugar da vontade para liderar.
A reconciliação entre a China e o Japão é o primeiro passo;
caso contrário, a animosidade entre os dois países irá funcionar como um impedimento.
China e Índia precisam de se aproximar e colaborar. Uma compreensão mais
profunda dos valores comuns é imperativa. Na Europa, o cristianismo, apesar das
suas várias edições, serviu esse propósito, mas não existe uma filosofia
semelhante à mão na Ásia.
História da Ásia e, em particular, a história chinesa revela
uma falta de ambição de liderar e oferecer o seu modelo ao exterior - a Grande Muralha
irradia psicologia chinesa. Parece haver uma espécie de inibição na liderança
cultural quando ela é confrontada fora da própria esfera, que pode bloquear
qualquer "globalização" de valores asiáticas. Obviamente, outra
maneira disso acontecer é outras culturas serem atraídas pelos valores da
cultura asiática – mas disso ainda não há sinais.
É da responsabilidade da Ásia dar o primeiro passo e avançar.
Sem muita dúvida, muitos valores tradicionais asiáticos - filosofia e religião
- ressoam bem com as questões das tendências subjacentes emergentes por todo o
mundo da economia. Até agora a Ásia tem comprado modelo ocidental o que lhe tem
servido como plataforma para um
crescimento económico rápido. O consumismo é visível em muitos países
asiáticos. Um investimento enorme em infra-estruturas também está na agenda.
Isto não pode, no entanto, ser visto como a Ásia a comprar no mundo
anglo-americano da economia. Construir infra-estrutura física e capacidade de
produção e consumo é necessário para depois moverem-se para uma era além da
economia sob a forma duma era de não economia onde outros valores se destacam.
Sem satisfazer as necessidades básicas com um tal salto isto não será possível.
Se a Ásia não responder a este desafio, temos de olhar para
duas alternativas.
A primeira delas é um mundo dividido em que a globalização
gradualmente dá lugar a um regionalismo com valores ocidentais, valores asiáticos e
valores similares definidos por culturas ou geografia. Samuel Huntington falou
sobre um choque de civilizações, um modelo com visões de mundo divergentes, mas
viável no interior da economia global em funcionamento, embora menos forte e
menos consistente do que o que vimos e fomos levados a acreditar continuaria.
Seria gerenciavel Qual seria o governo
global não está claro, mas não é isso que temos visto ao longo dos últimos dez
anos? Talvez nós já estejamos lá!
A segunda é cair no abismo de uma nova Idade das Trevas,
onde o nacionalismo, o populismo, a xenofobia governa a ordem do mundo, numa
combinação sinistra de fanatismo, ignorância e anti-ciência.
Irrealista? Não. Isto é o que aconteceu várias vezes na
China, com dinastias colapsos vazio de caos a ser seguido por precisamente tais
valores. O Império Romano foi sucedido por mais de 600 anos de espera até a
Renascimento surgir a partir da idade das trevas.
A observação assustadora é por mais que nos seja repulsivo
concluir a maioria dos sinais indicam o último cenário o mais provável com muitos
de nós sem perceber isso e muito poucos dispostos a agir com intenção de impedi-lo.
traduzido daqui por Dumoc
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Joerg Oerstroem Moeller é pesquisador visitante sénior do
Instituto de Estudos do Sudeste Asiático em Singapura; Professor Adjunto da Universidade
de Administração de Singapura e Copenhaga Business School; e um Ex-aluno Honorário
da Universidade de Copenhaga.
[1] Aqui
resumida por Will Durant, The Story of Philosophy, Spinoza Capítulo IV.