quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Mescalina e as portas de percepção


Numa radiosa manhã de Maio em 1953, Aldous Huxley tomou pela primeira vez quatro décimos de grama de mescalina (400 mg) dissolvidas em meio copo de água.



Sentou-se e aguardou os seus efeitos. Pouco depois, tudo o que o rodeava se transformou.

Eis a génese de As Portas da Percepção  (1954), um dos livros mais inspiradores para a contracultura americana dos anos 60. (os The Doors foram-lhe buscar o nome)
Registo minucioso de alterações sensoriais e ensaio filosófico que aborda os efeitos libertadores desta substância alucinogénica, é uma obra visionária sobre o funcionamento da mente e o desejo de transcendência do ser humano.

O cérebro possui um certo número de sistemas enzimáticos que servem para coordenar o seu funcionamento.

Algumas destas enzimas regulam o fornecimento de glucose aos neurónios. A mescalina inibe a produção destas enzimas, reduzindo assim a quantidade de glucose disponível para um órgão que precisa constantemente de açúcares.

Quando a mescalina reduz a ração normal de açúcares do cérebro, o que sucede? O número de casos observados até agora é muito reduzido, o que nos impede de formular, para já, uma resposta abrangente. Mas o que sucedeu na maioria dos escassos indivíduos que tomaram mescalina sob supervisão médica pode ser resumido do seguinte modo.
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(1) A capacidade de evocar recordações e de «manter a cabeça no lugar» pouco ou nada é afectada. (Ao ouvir as gravações dos diálogos que mantive sob influência da droga, nada me indica que me mostrasse então mais estúpido do que o sou habitualmente.)
(2) Há uma grande intensificação das impressões visuais, e o olho recupera uma parte da inocência perceptiva da infância, quando a sensação não estava subordinada de forma imediata e automática ao conceito. O interesse no espaço reduz-se e o interesse no tempo toma-se quase nulo.
(3) Embora o intelecto retenha todas as suas faculdades, e embora a percepção seja imensamente melhorada, a força de vontade sofre uma deterioração profunda. Aquele que consome mescalina não vê razões para fazer seja o que for em particular, e considera profundamente desinteressantes a maior parte das causas em nome das quais, em condições 
de normalidade, estaria preparado para agir e sofrer. Tais motivações são-lhe completamente indiferentes, pela simples razão de ter coisas melhores em que pensar.
(4) O indivíduo pode experimentar estas coisas melhores «lá fora» (foi o meu caso) ou «cá dentro» ou em ambos os mundos, o interior e o exterior, simultânea ou sucessivamente. 
O facto de elas serem efectivamente melhores parece evidente a todos os consumidores de mescalina de fígado são e espírito desanuviado que têm acesso à droga.

Estes efeitos da mescalina são do género que seria de esperar após a administração de uma droga capaz de reduzir a eficiência da válvula redutora cerebral.

Quando o cérebro se vê privado de açúcares, o ego mal nutrido torna-se
fraco, não se mostra interessado em cumprir as tarefas maçadoras que lhe cabem e perde todo o interesse nas relações espaciais e temporais que tanta importância têm para um organismo apostado em singrar no mundo.

À medida que a Mente sem Limites flúi a pouco e pouco, ultrapassando
a válvula que deixou de ser estanque, muitas e variadas coisas biologicamente inúteis começam a acontecer.

Nalguns casos, podem ocorrer fenómenos de percepção extra-sensorial.
Outras pessoas descobrem um mundo de beleza visionária.
A outras ainda, é revelado o carácter esplendoroso, o infinito valor e importância da existência nua e crua, do acontecimento puro, não-conceptualizado.
No estádio final de apagamento do ego, sobrevém um «conhecimento obscuro» de que Tudo está em tudo - de que Tudo é, na verdade, cada um.

Isto é o mais próximo, deduzo, que uma mente finita alguma vez pode chegar de «apreender tudo o que está a acontecer em todos os lugares do universo».

excerto de "as portas da percepção" 1953 de Aldous Huxley 

ANTÍGONA

"A experiência não é o que acontece com um homem;é o que um homem faz com o que lhe acontece"
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